RACISMO INSTITUCIONAL À BRASILEIRA E PATRIARCADO BRANCO – uma amostra no debate presidencial do segundo turno

Wallace de Moraes1

1 Doutor em Ciência Política. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF), de História Comparada (PPGHC) e do Departamento de Ciência Política, todos da UFRJ. Membro do Quilombo do IFCS/UFRJ e líder do grupo de Pesquisa CPDEL/UFRJ (Coletivo de Pesquisas Decoloniais e Libertárias). Canal no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCI6ALgmE_efoCONkrPmQ9fw Twitter: @WallacedeMorae5; Instagram: wallace.dmoraes

O debate presidencial do segundo turno das eleições de 2022 no Brasil, realizado pelo pool de mídia (Band Tv, Folha de São Paulo, UOL, TV Cultura), constitui-se como uma pequena amostra do racismo institucional brasileiro. Para confirmar esta assertiva, convém perscrutar sobre a contemplação de temas raciais, bem como raça e gênero: 1) dos jornalistas participantes do debate; 2) dos candidatos à presidência; 3) dos analistas políticos convidados para o pós-debate. Comecemos pela análise de gênero.

O debate foi dirigido por duas mulheres e dois homens divididos em dois blocos com um casal em cada. Cinco jornalistas foram designados para fazerem perguntas (duas mulheres e três homens). No intervalo, havia duas jornalistas e um jornalista, que analisaram os números das redes sociais. Em suma, de todos os participantes do debate, incluindo a condução do intervalo tivemos exatamente: 6 mulheres e 6 homens. A preocupação com a paridade de gênero foi legitimamente contemplada, ratificando o quanto essa pauta avançou ao longo dos anos fruto de intensa pressão das mulheres. Foi por isso que no debate do primeiro turno da Band predominou o tema da paridade de gênero, como mostrei em análise publicada anteriormente aqui no Le Monde Diplomatique Brasil. Mas e a paridade de raça?

Do ponto de vista racial, dos 12 jornalistas participantes supracitados, 10 eram brancos. Apenas um negro fez uma pergunta e, “coincidentemente”, foi o último a efetuá-la e em bloco separado, quase que um ser fora de lugar, um não-ser, como dizia, Frantz Fanon. Dirigindo o debate não teve nenhum negro, mas uma negra conduziu o intervalo.

Se incluirmos nessa análise os candidatos à presidência (2 homens brancos) e a discussão que seguiu após o debate (dois cientistas políticos, um jornalista e uma economista, todos brancos), teremos o seguinte quadro racial: 15 brancos e 2 negros. Nesse cômputo maior, para a análise de gênero foram 7 mulheres e 10 homens. Números que expressam uma sociedade patriarcal. Mas patriarcal branca, pois muito mais mulheres brancas participaram do que homens negros, ratificando a hegemonia delas sobre estes. Dentre as mulheres foram 6 brancas e uma negra, mostrando que o marcador racial coloca as mulheres negras em absoluta e incontestável inferioridade. É importante ressaltar que a única negra não estava no papel protagonista de direção do debate, nem de elaboradora de perguntas. Com efeito, esses números refletem exatamente os da sociedade brasileira com protagonismo para homens brancos, seguidos pelas mulheres brancas, denotando uma crescente paridade de gênero no interior das etnias brancas, mas igualmente uma gritante desigualdade racial comprovada pela absoluta e gritante minoria de homens e mulheres negras em espaços de poder.

Nesse cenário, é natural que o tema racial não apareça. Para quem vê de fora do país, imagina que a nossa sociedade é majoritariamente branca. Uma falsidade. Desta forma, os temas discutidos versaram sobre o STF, privatização da Petrobrás, fake news, corrupção (“petrolão” e o “orçamente secreto”) e educação. No debate direto entre os candidatos, falou-se principalmente de pandemia e de corrupção. Nada de racismo.

Entretanto, Lula, curiosamente, prometeu criar o ministério para os povos indígenas, mas não falou sobre um ministério para os negros. Ao proceder dessa maneira, secundarizou ainda mais as pautas afrodescendentes. Ademais, outros temas diretamente relacionados à discriminação racial também ficaram ausentes como: desigualdade social; saneamento básico; moradia; saúde pública; reforma agrária; taxação das grandes fortunas; assassinatos de negros; prisões; desemprego; e discriminação racial.

Não obstante, alguns temas que tangenciam a pauta racial foram tratados, principalmente, por Lula da Silva, que defendeu maior investimento no salário-mínimo; enquanto seu oponente defendeu que o “Auxílio Brasil” era maior do que o “Bolsa Família”. Ambos disputaram as suas políticas assistencialistas, que sem dúvida atingem milhões de negros. Lula ainda versou sobre a criação de universidades e escolas técnicas, bem como criticou a condução da pandemia pelo seu oponente. Esses são temas que igualmente tocam nos interesses de negros. Nesse quesito, o candidato petista foi muito melhor do que o seu adversário, mas ainda insuficiente para contemplação das pautas raciais na sua plenitude.

O Brasil é o país com a maior população negra fora da África, são mais de 110 milhões, embora não se consiga protagonizar suas questões nos debates presidenciais. Segundo esses dados, parece que vivemos na quimérica democracia racial, tão propalada pela esquerda e pela direita. A única justificativa para explicar tal fato constitui-se na simples constatação da naturalização da existência do racismo, marcado pela ausência de negros nos conglomerados de mídia (televisões, jornais etc), na Academia, e nos principais partidos políticos que não emplacam candidatos racializados para o principal cargo Executivo do Brasil.

Ainda há muito o que ser feito para inclusão do antirracismo nos debates nacionais: a começar pela própria ampliação das organizações negras no seio da sociedade e a exigência de contemplação de seus temas como protagonistas nos coletivos de que participam. A luta contra o racismo ainda tem que percorrer um longo caminho. Temos um mundo a construir e tomar as rédeas dos nossos destinos, exigindo que sejamos lembrados para além de novembro.

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