NOTA DO QUILOMBO DO IFCS/UFRJ SOBRE AS ELEIÇÕES PARA A REITORIA

Rio de Janeiro, 29 de abril de 2023

A chapa 20 não foi a vencedora das eleições para a reitoria da UFRJ, mas nós tivemos uma grande vitória: colocamos a questão racial no centro do debate junto com as lutas contra todas as discriminações. Pela primeira vez, apoiamos uma chapa 100% negra, bem como pautamos a defesa do nome social e de ações afirmativas pela permanência de estudantes trans na universidade. Outrossim, encampamos a luta contra a privatização de áreas da nossa universidade que deveria permanecer totalmente pública. A campanha foi bem bonita e mobilizou diferentes coletivos e militantes pela base que almejam mudanças efetivas nos rumos da UFRJ e, por consequência, da própria sociedade brasileira.

Nos desdobramos na campanha e nos decepcionamos com a derrota. Mas a partir dela temos que tirar alguns ensinamentos que sirvam para projetos futuros. Façamos uma análise dos resultados eleitorais.

O colégio eleitoral da UFRJ é composto por 81.315 aptos a votar, dentre eles 4.131 professores; 8.197 técnicos-administrativos e 68.987 estudantes. Com os votos das urnas eletrônicas, sem contar os votos em separado, que são minoritários, o resultado foi o seguinte:


Chapa 10Chapa 20Votos brancos, nulos e abstenções
Docentes72%28%Não divulgado
TAEs (técnicos)55%45%Não divulgado
Discentes42%58%Não divulgado




Resultado final das urnas eletrônicas com a proporcionalidade.29,47%18,55%51,98%

Pela quantidade de abstenções, brancos e nulos, podemos perceber que a maioria dos aptos a votar, não escolheu nenhum candidato de modo que a chapa vencedora foi eleita apenas por 29,47% do eleitorado. É um quórum bastante baixo se comparado com eleições majoritárias com voto obrigatório no país. Esses dados nos apontam para algumas hipóteses explicativas: a) baixa adesão a partir de pouco tempo de campanha; b) pouca mobilização em função de não acesso às propostas das chapas ou mesmo pouca percepção das diferenças profundas entre elas; c) falta de identificação com as ideias apresentadas; d) apatia política; e, por fim, e) descontentamento com a proposta da representação. Dentre as supramencionadas hipóteses uma é certa: existe baixa organização social e política com capilaridade na UFRJ de modo que sustente uma campanha eleitoral e garanta alto quórum de participação. Diante desse cenário, é fundamental ampliar a organização de coletivos ativos, autônomos, horizontais e federados se almejamos alcançar êxito em disputas desse tipo.

Dentre os votos válidos, a vitória da chapa 10 no segmento dos docentes foi acachapante. Daí podemos extrair algumas hipóteses explicativas.

  1. O corpo docente é majoritariamente branco e pelo pacto da branquitude (Cida Bento, 2022) prefere escolher um dos seus. Trata-se do espelho narcísico como parte da interpretação fanoniana.
  2. Fala-se do respeito ao código entre os docentes de votar em figuras públicas intelectuais, referências em suas áreas, e em professores titulares com larga carreira universitária, esse é o caso do candidato vencedor, sem nenhum demérito, obviamente. Os técnicos não valorizam tanto essas questões e os estudantes de graduação, menos ainda. Daí uma explicação da votação expressiva nos candidatos da chapa 20 na graduação, mas com derrota nos estudantes da pós e nos docentes, que valorizam mais o currículo acadêmico.
  3. Certamente, essas escolhas são sustentadas porque há ainda setores muito conservadores na UFRJ, que se protegem por falsas hierarquias funcionais ou administrativas, se calando para as dimensões patriarcais, de classe e de raça. Em algumas vezes tangencia o racismo, quando busca desqualificar os candidatos negros.
  4. A ampla maioria dos docentes preferiu votar em um projeto privatista sem o menor ressentimento;
  5. A chapa 10 investiu pesado na compra das horas de trabalho de pessoas empobrecidas para fazerem boca de urna entregando “santinhos”. Mas devemos perguntar: Da onde veio esse dinheiro? Quem pagou? Com qual propósito? Quem financiou buscará algum retorno ou foi no amor mesmo? Será que os professores de Ciência Política, Sociologia, História e Filosofia não se questionaram sobre isso? Não faz diferença? Ou eles separam absolutamente bem teoria da práxis? É triste naturalizarmos o emprego de pessoas pobres para fazerem campanha eleitoral sem qualquer questionamento.
  6. Por um ou mais desses motivos ou por todos eles em seu conjunto, os docentes escolheram majoritariamente, com exceção de alguns poucos centros de ciências humanas, o candidato que é figura pública e com amplo currículo acadêmico como melhor para gerir a universidade, como se isso bastasse, independente de projetos, para legitimar candidatos à reitoria.
  7. Um dos dados mais positivos a se destacar foi a ampla vitória da chapa 20 no segmento dos estudantes. Esse é o futuro. Mostra como nossas pautas estão ancoradas nos setores mais dinâmicos, diversos e plurais da UFRJ. A ampla vitória dos estudantes, em particular, no IFCS, para nós que somos do Quilombo, demonstra dois projetos distintos. É aí que reside a nossa esperança. Parabéns aos discentes que nos fazem acreditar em um futuro melhor!

A chapa 10 venceu. Devemos reconhecer a vitória e pressionar para que a reitoria vencedora cumpra metade das suas promessas eleitorais. Assim:

  1. Queremos saber qual será o projeto para o NEABI, para a Superintendência de Políticas Raciais e para a Superintendência dos Povos Tradicionais. Todas essas instâncias acadêmicas são de extrema importância para as pautas antirracistas e, portanto, se a reitoria busca colaborar para a nossa luta (como disse na campanha eleitoral), deve oferecer forte apoio institucional e aporte estrutural e financeiro para garantir a implementação de projetos por essas esferas para a universidade.
  2. É premente iniciar um processo de descolonização dos nossos currículos e abrir concursos para novos professores que não estejam intoxicados pelo eurocentrismo.
  3. Queremos saber como a questão racial será tratada. Se a reitoria irá proteger professores racistas ou quaisquer outros covardes discriminadores como seus assessores diretos.
  4. Queremos saber se as cotas raciais serão ampliadas para todas as seleções (monitorias, iniciação científica, mestrado, doutorado, extensão etc) e instâncias da universidade.
  5. Queremos saber se haverá defesa e implementação de cotas para pessoas trans, e se serão criadas políticas de permanência para essa população.
  6. Queremos saber se a reitoria se compromete a romper com a transfobia institucional que desrespeita o nome social de pessoas trans da UFRJ, mesmo com todas as mobilizações já realizadas.
  7. Em particular no IFCS, o prédio histórico está caindo aos pedaços. As salas não possuem ar condicionado ou quando os possuem estão em estado precário. Temos salas com fiação aparente e outras com goteiras. Até quando?

Por fim, os corpos e mentes negros e periféricos que habitam a UFRJ (e também no seu entorno) não são insignificantes numericamente (como muitos alardeiam). A universidade mudou. A entrada de corpos negros oxigena esse espaço e nos impõe novos desafios (teóricos e institucionais). As autoridades não podem mais nos ignorar. Temos projetos e queremos ser ouvidos. Somos também a UFRJ. É isso que determinadas forças políticas (aparentemente hegemônicas e com discursos progressistas) precisam reconhecer.

A luta pela democratização plena e pela diversidade total da UFRJ é um projeto coletivo que não deve se resumir às eleições. As questões de diversidade e representação – principalmente no nosso conjunto discente e coletividade do corpo técnico-administrativo – não são recentes e não apareceram apenas nestes dois últimos meses. As eleições da UFRJ apenas as canalizaram (as vezes de forma oportunista e personalíssima) porém elas atravessam décadas de mobilização, especialmente estudantil e no SINTUFRJ.

Assim como a historiografia mostrou que os aquilombamentos não ficaram isolados, mas constituíram-se em processos complexos no interior da sociedade escravista, modificando suas formas e contornos, queremos dizer que o QUILOMBO do IFCS está na UFRJ e não a margem dela, sempre acolhendo os estudantes cotistas, negros e indígenas. Ademais, já fizemos algumas atividades fundamentais de acolhimento com os terceirizados, cuja maioria é negra e periférica e nem sequer votam e talvez por isso seus salários ficaram atrasados alguns meses no ano passado. Não somos determinados por eleições. É o amor que nos guia. O amor pelo outro, pelo oprimido, pelo discriminado. Esperamos que a próxima reitoria encampe as nossas lutas pela verdadeira democratização, pelo respeito e pela dignidade dos nossos.

Trabalharemos para a criação de vários quilombos pela UFRJ, tais como os nossos antepassados que lutaram por liberdade, autonomia, igualdade, respeito e sobretudo autogoverno. O quilombo é um lugar de congraçamento e ajuda mútua entre os corpos excluídos do modelo patriarcal branco, racista e classista imposto à nossa sociedade.

É chegada a hora de refundarmos o Coletivo de Servidores Negros como espaço de Docentes, Técnicos-Administrativos (setores permanentes e do quadro da UFRJ) negros, indígenas e brancos antirracistas. Esses espaços devem lutar fundamentalmente com autonomia por pautas democráticas, inclusivas, antidiscriminatórias durante todo o tempo, sem se resumir às eleições. Só dessa forma, poderemos obter êxito nas lutas e até em eleições.

Sabemos que esse jargão é velho, mas não podemos deixar de terminar com ele: A luta contra o racismo, contra LGBTQIAP+FOBIA, contra misoginia, contra a exploração de classe e todas as formas de discriminações deve ser realizada todo dia e deve continuar! Somos resistência! Somos Quilombo do IFCS! Enfim, a luta continua!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *