POR QUE OS DECOLONIAIS LIBERTÁRIOS (ANARQUISTAS) E MAIS 30% DOS ELEITORES NÃO VOTAM EM QUALQUER CANDIDATO

Wallace de Moraes1

Os decoloniais anarquistas não votam em eleições porque todo governo significa a negação do autogoverno popular. Nós sabemos que os Estados e consequentemente seus governos nasceram para atender os interesses de uma minoria e garantir a exploração da maioria. A existência de qualquer governo consiste na concretização da aristocracia, isto é, na defesa da possibilidade do governo dos melhores.

Desta forma, já está explícita a ideia da desigualdade, marcada por uns serem considerados melhores do que outros. Esse princípio é a base de toda forma de racismo existente em diferentes momentos da História. Foi com base nele que o colonialismo se erigiu, quando europeus se julgavam superiores aos diferentes povos indígenas, africanos, asiáticos e oceânicos e exerceu o governo sobre eles, escravizando-os, explorando-os, estuprando-os. Desde então, aqui nas Américas, descendentes de europeus, ou corpos absolutamente colonizados não-europeus, governam nas terras outrora dos povos indígenas. Existe maior aberração que essa?

Os institutos do voto e do governo representativo, bem como a própria existência do Estado, são produtos do eurocentrismo, portanto, colonialistas. Assim, decoloniais libertários não concordam com o sistema representativo apenas porque significa a materialização da negação do autogoverno, mas também por ser uma imposição racista e eurocêntrica.

Ademais, nenhuma candidatura à presidência da república propõe:

  1. Um limite ao agronegócio que destrói as nossas florestas, fauna e flora e o habitat dos povos indígenas e quilombolas;
  2. O fim do racismo institucional praticado por representantes estatais;
  3. O fim do patriarcado branco;
  4. O fim das prisões;
  5. A reforma agrária;
  6. O autogoverno das fábricas e das fazendas;
  7. O fim das polícias e de todas as formas de opressão;
  8. A demarcação das terras indígenas e quilombolas;
  9. O fim do capitalismo e sua exploração marcante;
  10. A liberdade para as comunidades LGBTQIAP+

Enfim, nenhum candidato propõe o autogoverno popular. Nessas eleições, como nas outras, pelo menos 30% dos eleitores não votarão em qualquer candidato, pois sabem que nenhum representa grandes mudanças para suas vidas. Os pobres, favelados e periféricos, os negros e indígenas, continuarão nessa situação, sendo alvos prioritários das incursões policiais que colocará suas vidas em riscos. Essas pessoas sabem que continuarão no subemprego, que significa viver constantemente desempregadas e dependente de migalhas de seus patrões. A maioria dessas pessoas trabalha de domingo a domingo com nenhum ou poucos direitos garantidos. Suas casas continuarão sendo de madeiras, de palafitas, de tijolos sem emboço, de barro, umas sobre as outras, em lugares ermos que as elites não quiseram para si. Essas pessoas sabem que continuarão convivendo com esgoto a céu aberto, sem saneamento básico e água potável. Elas sabem que continuarão vivendo com pouco ou nenhum dinheiro, vendendo de tudo (sua força de trabalho, seu corpo) para poder sobreviver sem garantias de futuro.

Não deveríamos nós, decoloniais anarquistas, termos que explicar por que essas pessoas não votam, mas aqueles que pedem para que essas pessoas votem deveriam ter vergonha na cara e repensar sobre suas atitudes. É um acinte pedir para quem tem sua vida em risco pelas incursões policiais realizadas nas suas favelas votarem em um candidato, pois sabemos que nenhum deles resolverá os problemas advindos do colonialismo e do eurocentrismo. Você que pede para essas pessoas votarem deveria ter mácula da sua situação ao não reconhecer os reais problemas delas. Você deve repensar sobre o seu eurocentrismo colonialista. Pior do que tudo isso, será assistir depois das eleições o cinismo de diferentes cientistas políticos colonizados/colonizadores/eurocentrados desdenharem daqueles que não votam afirmando-os como “burros”, “despolitizados”, “inconsequentes” e outras acusações eurocentradas e colonialistas, racistas, portanto.

Por fim, para as classes médias e ricas o candidato que chegará ao poder pode fazer diferença e, portanto, justifica suas campanhas eleitorais, mas universalizar sua posição é uma atitude colonialista, baseada no eurocentrismo, como expressamos. Respeitem a dor dos mais pobres, favelados, majoritariamente, negros e pardos que não se engajam em campanhas eleitorais que não mudarão substantivamente as suas vidas.

1 Doutor em Ciência Política. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGF), de História Comparada (PPGHC) e do Departamento de Ciência Política, todos da UFRJ. Membro do Quilombo do IFCS/UFRJ e líder do grupo de Pesquisa CPDEL/UFRJ (Coletivo de Pesquisas Decoloniais e Libertárias). Canal no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCI6ALgmE_efoCONkrPmQ9fw.

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