O ESTADO COMO AGENTE DA COLONIZAÇÃO, DO EXTERMÍNIO E DO APRISIONAMENTO DE NEGROS E INDÍGENAS

O ESTADO COMO AGENTE DA COLONIZAÇÃO, DO EXTERMÍNIO E DO APRISIONAMENTO DE NEGROS E INDÍGENAS

Vídeo 05 de janeiro 2021¹

Autor: Wallace de Moraes

Edição/transcrição: Cello Latini

O sistema moderno, colonialista, baseado na colonialidade do poder, é sustentado pela ideia de raça, de racismo, segundo o qual negros e indígenas são subumanos. O papel que se destinou para estes e seus descendentes foi de cumprir, ocupar, trabalhar no subemprego. Isto é, são negros, indígenas e seus descendentes que devem lavar os banheiros de shoppings centers, arrumar as casas, fazer a comida da casa dos governantes brancos, trabalhar como operários, como jardineiros, como motoristas particulares, como seguranças desses governantes que, em sua maioria, são brancos e proprietários. Esse sistema moderno colonialista só não mata todos os indígenas, negros e seus descendentes porque espera-se que eles cumpram esse papel econômico, social, nessa sociedade racista, desigual, capitalista.

Talvez a grande novidade daqui, desse curso, seja identificar o Estado enquanto um agente da colonização e de extermínio de negros e indígenas. Obviamente, nem todo negro e indígena é assassinado pelo Estado – embora sejamos alvos constantes desse processo. Mas passamos a ser alvos, negros e indígenas e seus descendentes, prioritariamente se não obedecermos, ou seja, se nós não seguirmos as linhas estabelecidas pelas leis, pelo que se chama ordem, poder. Os negros e indígenas que aceitarem viver uma vida de extrema exploração, de subemprego; que aceitarem trabalhar como empregadas domésticas na casa das senhoras brancas; que aceitarem trabalhar como operários nas fábricas, vendendo bugigangas, sendo motoristas de ônibus, lavando os banheiros dos shoppings centers frequentados pelos brancos; se esses negros e indígenas fizerem isso sem nenhum tipo de reclamação, aceitando isso alegremente, o risco de sofrer um atentado pelo Estado é minimizado. Todavia, se esse negro não aceitar essas condições que lhes são impostas, aí ele corre altíssimo risco de perder a vida, ser assassinado efetivamente pelo Estado, ou de ser aprisionado pelo Estado. O Estado está sempre de olho em você, você não deixa de ser alvo. Nos é permitido viver apenas se for para produzir riqueza ou prazer, bem-estar, para esses governantes.

Penso que você estará equivocado se entender que um negro rico, que mora no Leblon, corre o mesmo risco de ser assassinado pelo Estado, ou preso, que um morador da Maré, do Alemão, de uma favela, e que é um traficante… Eu defendo que há consideráveis diferenças, não são os mesmos riscos. O risco de morte para quem mora na Maré é muito maior do que para o executivo negro – raríssimo – que mora no Leblon. Em outras palavras, um negro pobre tem a chance de ser assassinado ou aprisionado pelo Estado muito maior do que um negro rico. Essa constatação não implica na negação de que um negro rico sofrerá racismo de seus vizinhos brancos. Mas as chances de ser assassinado são menores do que a de um morador de qualquer favela do Brasil.

O que nos ajuda a entender o que estou defendendo consiste na consideração, em nossas análises, de dois componentes fundamentais e entrelaçados: de raça e de classe. A partir daí temos alguns axiomas: 1) todo corpo negro é alvo do Estado; 2) todo corpo negro corre risco de morte e/ou de aprisionamento; 3) o negro pobre corre mais risco do que o negro rico; 4) o negro que mora e/ou frequenta os lugares mais pobres tem aumentada sua possibilidade de morte aumentada com relação ao negro que habita nos lugares/frequenta os lugares mais ricos da cidade; 5)o negro que colabora para a colonialidade do poder tem minimizada sua possibilidade de ser assassinado ou aprisionado pelo Estado. 

Vamos supor: um morador X de uma favela no Rio de Janeiro, trabalhador, faxineiro de algum condomínio da Zona Sul. Ele corre risco de vida? Claro que sim. Mas aquele que está desobedecendo a lei, que está com armas na mão, que não se subordinou a receber um salário mínimo e procura por melhores condições de vida – sob imposição da sociedade do consumo – está correndo risco maior. Obviamente, eles correm risco de morte altíssimo por habitarem um mesmo lugar. 

São várias variantes que cortam isso. Por exemplo, uma pessoa trans, um LGBT negro corre maior risco de morte do que um LGBT branco, pois soma-se outra opressão. Não obstante, quando comparadas entre as etnias, é notório que o negro subempregado correrá mais risco do que um branco subempregado. Um negro empresário correrá mais risco do que um branco empresário. Em igualdade de condições com um branco, o negro sempre será alvo prioritário. 

Não podemos dizer que o Estado está deliberadamente exterminando todos os negros, porque isso não ocorre – nós estamos aqui. Eu vi vários colegas meus em Irajá, onde fui criado, serem assassinados pelo Estado. Corri um sério risco por ter sido criado no subúrbio. Mas se você seguir uma determinada linha que lhe é proposta para o bel-prazer dos governantes brancos, o teu risco é minimizado.

Temos 500 anos de escravização de negros. Se essa regra que propus agora, segundo a qual o negro que contribui para o sistema não é deliberadamente assassinado, não existisse, você há de convir comigo que não existiria mais negros nesse país. 

Quero ampliar e resumir a crítica: o sistema precisa de negros e indígenas e de subordinados; o sistema precisa de pessoas trabalhando no subemprego; o sistema precisa de pessoas trabalhando lavando os banheiros nos shoppings centers. E quem vai fazer isso não será o filho do patrão branco. É só por isso que o Estado não mata todos os negros. O negro é útil para as governanças brancas, desde que trabalhe e produza riqueza, prazer e alegria para os governantes de modo geral.

Claro que isso não é garantia de que você não será exterminado. Até porque existem muitos outros negros para ocupar esse espaço, há muita oferta. Mas não se pode exterminar todo mundo. Quem vai fazer comida na casa das patroas, quem vai servir nos restaurantes, quem vai dirigir os automóveis particulares, os Uberes da vida? O papel do Estado é, historicamente, matar e subordinar negros, para que estes cumpram o papel de produzir riqueza para os brancos. O Estado existe para o negro não se esquecer de que deve colaborar para a sua própria opressão.

[1]  Vídeo no canal de YouTube do CPDEL, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yqtNB6dAzFo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *